terça-feira, 4 de outubro de 2022

Prosa poética

Desde nossa última conversa tenho pensado bastante e tive alguns insights. As feridas estão se cicatrizando, consigo pensar mais racionalmente agora. Dessa vez, escrevo em prosa, a poesia é melodramática demais, chega disso. 

Meu mestrado em Linguagens me fez ligar muitos pontos sobre comunicação. Essa que talvez tenha sido uma das nossas maiores barreiras e até arma fatal. Não ser compreendido foi uma situação vivida por nós dois, ambos podem clamar isso para si. 

Falar, por si só, não é comunicar. E a comunicação só acontece quando o emissor enuncia e o receptor compreende a totalidade, ou pelo menos a centralidade, do que o falante ou escritor quis transmitir. Quem fala sobre isso é Bakhtin. De qualquer forma, sempre há algum tipo de ruído no enunciado. Já que a linguagem é construída socialmente, pessoas que vêm de contextos sociais diferentes se expressam de maneira distinta. Isso é claro desde a nossa primeira hora de namoro com a Guerra dos Tigres Asiáticos - dei uma risada com o nome que acabei de dar para aquela primeira briga ridícula, mas bem ilustrativa.

Pensando agora nos nove tipos de inteligência do Howard Gardner, noto o que foi mais um ponto complicado entre nós. A sua inteligência intrapessoal era muito mais refinada que a minha. Ao passo que minha inteligência interpessoal era muito mais que a sua. Uma vida inteira, separados, desenvolvendo essas inteligências, acirrou nossas diferenças de linguagem. Eu me via no mundo, o Jean belorizontino. brasileiro, latino, estudante, professor. Eu via progressão de carreira de forma institucional. As instituições sempre me deram estabilidade. Sempre me vi contextualizado no tempo e no espaço local e global. É um exercício fácil e natural pra mim. Você não. Fazer acontecer por conta própria, se virar e achar um caminho é algo que flui bem pra você, já que você olha para dentro de si. E ao fazer isso você não se importa com o que os outros dizem, você descobre seus talentos, domina-os bem e sabe prever cada uma de suas reações, antecipando-se a elas. 

Quem se vê demais no mundo é empático, versátil, consegue lidar com qualquer tipo de pessoa, cria pontes, abre diálogos, acolhe. Mas é genérico, hipersensível, influenciável, muitas vezes covarde. Quem se vê demais em si mesmo é autêntico, original, confiante, não se deixa abalar facilmente. Mas é arrogante, impaciente, muitas vezes ofende gratuitamente. O que eu acredito é que é importante saber dosar esses dois tipos de inteligências e saber se adaptar às situações comunicacionais. Há momentos em que você precisa ser valente, mas há momentos em que você só precisa se recolher. Há momentos em que você precisa ser sensível e empático, mas há momentos em que você precisa ser curto e grosso. Há momentos em que a sagacidade e a perspicácia são indispensáveis, mas há momentos em que só cabe a poesia. Inteligência é mobilizar os recursos e habilidades que você tem para as situações da vida. Se nossos recursos e habilidades são limitados, a gente vence onde eles são funcionam e perde onde eles são inúteis.

Conviver com você me fez muito bem. Me ajudou a me desconectar do mundo. Pela primeira vez eu realmente me desliguei do que acontecia fora de mim - o que é muito difícil para um geógrafo, vai por mim - e passei a olhar para o que acontecia aqui dentro. Eu não tinha ideia do trabalhão que tinha pra fazer nessa nova casa que era eu mesmo. Muito nesse novo local era desconhecido. Na época eu não entendia que era isso que eu estava vivendo, levei tempo para processar. Levou tempo para entender o que foi erro meu, o que foi erro seu, o que foi erro nosso e o que não foi erro de ninguém. Na minha análise estamos equilibrados.

Foi com essa pessoa que você lidou, com um veterano do mundo mas um novato em si mesmo. Eu não era letrado em mim mesmo, por mais que achasse que fosse. Não há como saber o que você não sabe que não sabe. E hoje entendo o tanto que lidar com uma pessoa assim pode ser nocivo. Foi aí que eu te feri. Sinto muito por isso e espero que não te deixe marcas permanentes.